A divergência entre promessa e prática como risco estratégico para a cultura organizacional
“As marcas não são o que dizemos sobre elas.
São o que as pessoas sentem ao interagir com nossas contradições.”
Inês Souza, pesquisadora em cultura e narrativas institucionais
Num cenário corporativo altamente competitivo por talentos, marca empregadora e Comunicação Interna deixaram de ser iniciativas isoladas para se tornarem ativos estratégicos de cultura, confiança e reputação institucional.
Ainda assim, muitas organizações seguem promovendo um discurso institucional que não encontra sustentação na experiência real do colaborador. A Comunicação Interna, nesse contexto, acaba sendo posicionada como uma espécie de operadora do discurso e não como parceira crítica e estratégica na construção da verdade organizacional.
Este artigo propõe uma reflexão objetiva e prática sobre os riscos desse desalinhamento e o papel da Comunicação Interna como agente estratégico na validação ou exposição da integridade da marca empregadora.
Marca empregadora: conceito, propósito e implicações internas
A marca empregadora (Employer Branding) é a imagem da empresa como lugar para se trabalhar, construída com base em sua cultura, práticas, liderança e proposta de valor. Não se trata apenas da percepção externa da empresa como “atraente”, mas da experiência concreta das pessoas que a compõem.
Seu núcleo é o EVP (Employee Value Proposition), a proposta de valor que a organização oferece ao colaborador em troca de seu tempo, esforço e talento. Isso inclui desde benefícios tangíveis até aspectos intangíveis como propósito, segurança psicológica, possibilidades de crescimento e coerência ética.
Por definição, o EVP deve ser:
- Autêntico: conectado à cultura real.
- Relevante: alinhado às expectativas e necessidades das pessoas.
- Diferenciado: capaz de destacar a empresa no mercado de trabalho.
Quando essa promessa não se materializa na experiência cotidiana, o que se rompe não é só o contrato simbólico com o colaborador, mas a integridade cultural da organização.
O dado expõe a dissonância
A edição mais recente da pesquisa Employer Branding Now (Universum, 2023) aponta que:
- 69% das lideranças afirmam ter um EVP estruturado e divulgado.
- Apenas 37% dos colaboradores reconhecem essa proposta como verdadeira no cotidiano.
Essa diferença não é de percepção — é de credibilidade. E o impacto dessa lacuna vai muito além da comunicação: ela compromete confiança, engajamento, retenção e reputação.
Comunicação Interna: entre coerência e sobrevivência
A Comunicação Interna não deve ser usada para sustentar uma promessa que não se cumpre. Quando é forçada a traduzir um EVP desalinhado com a realidade organizacional, ela:
- Perde autoridade simbólica.
- Compromete sua função estratégica de gerar confiança.
- Passa a ser percebida como um agente de cosmética institucional, e não de conexão real.
Esse desgaste afeta diretamente a sua efetividade e posicionamento político interno.
O colaborador como indicador de coerência
Organizações que não sustentam, na prática, os valores que comunicam, perdem colaboradores não apenas por turnover, mas por desengajamento ativo.
Dados da Gallup (2024) revelam:
- 74% dos profissionais que percebem desalinhamento entre discurso e prática estão desengajados.
- 1 em cada 3 torna-se um detrator invisível: alguém que permanece na empresa, mas atua sem crença, sem energia e sem defesa da cultura.
A conclusão é clara: marca empregadora só se sustenta com credibilidade interna.

Comunicação Interna como função crítica de validação e mobilização cultural
Em organizações maduras, onde cultura, reputação e experiência do colaborador são tratadas como ativos estratégicos, a Comunicação Interna deve ser reposicionada: de executora de mensagens para função crítica de validação, coerência e mobilização cultural.
Essa transição de escopo não é apenas desejável, ela é necessária. Em um ambiente corporativo onde a percepção se converte em dado e subjetividade em métrica, a comunicação é, simultaneamente, radar, filtro, agente de tradução e de ativação cultural.
A Comunicação Interna, nesse novo papel, atua em múltiplas camadas:
▸ Auditoria simbólica do discurso institucional
Avalia e confronta a aderência entre o que a organização comunica, institucionalmente e informalmente, e o que de fato se entrega como experiência. Campanhas, manifestos, programas e mensagens devem ser validados à luz da realidade percebida pelos colaboradores.
▸ Curadora da coerência entre valores, políticas e práticas
Garante que o discurso sobre cultura, propósito e valores não se dissocie das práticas organizacionais. Atua como filtro estratégico para prevenir dissonâncias entre o que é prometido e o que é vivido.
▸ Interlocutora estratégica da liderança na gestão da narrativa e do risco reputacional interno
Mapeia zonas de tensão simbólica e inconsistência narrativa. Traduz percepções do clima e da cultura para tomada de decisão. Ajuda a liderança a entender a reputação interna como termômetro de credibilidade organizacional.
▸ Mobilizadora de cultura e comportamento
A CI é responsável por criar condições simbólicas e comunicacionais para que comportamentos desejados sejam compreendidos, praticados e reconhecidos. Atua na sustentação de rituais, ativação de novos códigos culturais e fortalecimento das normas desejadas por meio de linguagem, exemplo e repetição intencional.
▸ Orquestradora da experiência narrativa do colaborador
Coordena o que, como, quando e por que as mensagens chegam aos públicos internos, garantindo consistência temporal, cognitiva e emocional entre as fases da jornada do colaborador. Conecta o EVP à vida real.
▸ Sensora organizacional
Capta, interpreta e devolve à organização os sinais informais e subjetivos que os dados quantitativos não revelam. Atua como plataforma de escuta organizacional qualitativa, transformando percepção em insight estratégico.
Essa Comunicação Interna integrada e avançada é infraestrutura invisível de cultura e confiança. Atua com base em inteligência contextual, domínio narrativo, governança simbólica e leitura comportamental dos ambientes internos.
Em um momento em que as organizações são constantemente desafiadas a serem coerentes, ágeis e emocionalmente seguras, a CI passa a ocupar o centro da estratégia cultural, sendo corresponsável por sustentar ambientes íntegros, adaptativos e com forte senso de pertencimento.
Essa Comunicação Interna mais estratégica atua de forma transversal, conectada ao RH, à liderança, à governança e à experiência do colaborador. Ela opera com:
- Dados e insights de escuta ativa (pesquisas, análises de comportamento, temperatura organizacional);
- Leitura contextual (do ambiente interno, da narrativa de marca, do posicionamento institucional);
- E uma postura crítica, que privilegia a integridade e a confiança como pilares de qualquer narrativa organizacional.
Em vez de ser vista como “responsável pela divulgação da cultura”, a Comunicação Interna precisa ser agente de verificação da cultura declarada, com autoridade técnica e política para interromper narrativas incoerentes, influenciar decisões e propor reposicionamentos antes que as dissonâncias se tornem ruídos críticos.
É nesse nível que a CI deixa de ser suporte tático e se torna infraestrutura simbólica da estratégia organizacional.
RH e Comunicação: parceria que só funciona sob critérios de consistência
A relação entre RH e Comunicação Interna precisa sair do automatismo colaborativo e entrar em modo de corresponsabilidade estratégica.
Para isso:
- RH precisa oferecer um EVP que seja executável e validado pelo cotidiano.
- CI precisa ser envolvida desde o início da definição da proposta, não apenas na fase de divulgação.
Juntas, devem criar mecanismos contínuos de aferição, escuta e reformulação, com base em dados e feedback real.
O que os dados não dizem: como a escuta estratégica revela incoerências culturais
A gestão da marca empregadora precisa evoluir da comunicação de atributos para a escuta qualificada da experiência real. Não se trata apenas de emitir mensagens bem construídas, mas de reconhecer o que as pessoas vivem, e o que silenciam, como dado estratégico.
Enquanto KPIs tradicionais como turnover, adesão a benefícios e resultados de clima organizacional continuam sendo importantes, eles não capturam a dimensão simbólica, emocional e subjetiva da experiência do colaborador: onde, de fato, a cultura se manifesta e a confiança se constrói (ou se deteriora).
Organizações que compreendem isso adotam uma abordagem combinada:
- Dados quantitativos para orientar decisões operacionais;
- Métricas qualitativas derivadas de escuta ativa, análise narrativa e comportamento relacional para embasar decisões culturais e reputacionais.
A escuta organizacional, nesse sentido, deixa de ser um “canal aberto” e passa a ser um processo contínuo e estruturado de captura e interpretação de sinais simbólicos expressos por meio de linguagem informal, rotinas ignoradas, rituais não celebrados, micro agressões toleradas, entre outros elementos.
A ausência de voz, de manifestação ou de engajamento é também uma forma de feedback e precisa ser lida como tal.
Escuta estratégica como lente de consistência
Escutar o colaborador é o único caminho possível para validar o que está sendo entregue como EVP. Se os valores institucionais dizem “autonomia”, mas os times não têm margem de decisão; se o discurso fala de “segurança psicológica”, mas o medo ainda regula as interações; se há “compromisso com diversidade”, mas a alta liderança é homogênea, não há narrativa que conserte isso.
Por isso, a escuta estratégica precisa operar como lente de verificação contínua da coerência organizacional. E mais do que ouvir, é preciso:
- Interpretar o que foi dito e o que foi evitado;
- Confrontar o discurso com os dados relacionais;
- Responder com ações tangíveis — e não apenas com mais comunicação.
Escuta como ativo competitivo
Empresas que adotam a escuta como prática estratégica obtêm resultados expressivos. Segundo dados recentes:
- 41% mais retenção de talentos (Mercer, 2023)
- 32% mais colaboradores promotores (eNPS positivo) (Culture Amp, 2023)
- 2,7 vezes mais chances de serem indicadas como “melhor lugar para trabalhar” (LinkedIn Talent Solutions, 2024)
Esses resultados não derivam de campanhas bem-feitas ou EVP sofisticado no papel. Eles nascem da prática consistente de confrontar a realidade interna com honestidade e fazer ajustes estruturais com base no que é ouvido.
Esses resultados não nascem de boas narrativas, mas de decisões concretas, consistência cultural e abertura ao contraditório.
Consistência antes de comunicação
Não se comunica o que não se sustenta. A Comunicação Interna precisa ser, antes de tudo, um instrumento de validação contínua da coerência organizacional e não apenas uma ferramenta de influência narrativa. Se a organização não está pronta para sustentar o que comunica, o melhor caminho é construir antes de prometer.
Forcinha Extra da Intraliza
Na Intraliza, atuamos como parceiros estratégicos de empresas que querem tratar marca empregadora, cultura e experiência do colaborador com a profundidade que o tema exige.
Fazemos isso com metodologia, dados, escuta, coragem argumentativa e visão sistêmica.
Se sua organização está pronta para alinhar promessa e prática, fale com a gente.
Marca forte se constrói de dentro para fora.
Vamos Juntos?